A continuidade e preservação do patrimônio entre gerações é uma preocupação central para muitas famílias, especialmente para aquelas cujo sustento principal advém de negócios próprios. Garantir a proteção desse patrimônio e o sucesso da transição intergeracional são elementos cruciais, e é nesse contexto que o planejamento patrimonial e sucessório se apresenta como uma ferramenta fundamental.
Contudo, muitos mitos e mal-entendidos cercam o tema, levando a escolhas inadequadas ou, em alguns casos, a uma completa falta de ação. Este artigo busca esclarecer alguns dos principais mitos que surgem quando se fala em planejamento patrimonial e sucessório.
1. A Holding é Sempre a Melhor Solução para o Planejamento Patrimonial
Nos últimos anos, o termo “holding” se popularizou consideravelmente, especialmente com a crescente divulgação do conceito nas redes sociais por parte de advogados, consultores financeiros e outros profissionais da área. Essa visibilidade foi positiva, pois incentivou muitas famílias a considerarem o planejamento patrimonial, um tema de extrema importância. No entanto, ao mesmo tempo, criou uma falsa ideia de que a constituição de uma holding é a solução universal e definitiva para a organização do patrimônio e a sucessão familiar.
Uma holding nada mais é do que uma empresa, constituída como uma sociedade empresária limitada (LTDA) ou sociedade anônima (S.A.), que tem como principal função concentrar ativos, como imóveis e participações em outras empresas. Muitas vezes, as holdings são categorizadas de acordo com sua finalidade: holding patrimonial, holding familiar, holding rural, entre outras.
Embora seja verdade que as holdings podem oferecer vantagens, como facilitar a administração do patrimônio, reduzir custos tributários e auxiliar na sucessão, sua criação não deve ser vista como uma solução para todas as situações. A implementação de uma holding deve ser analisada caso a caso, levando em consideração aspectos contábeis, societários e fiscais específicos de cada família e seu patrimônio.
Além disso, é comum que a criação de uma holding gere despesas adicionais, como taxas administrativas, custos contábeis e obrigações fiscais, que podem não compensar em todos os casos. Para famílias com patrimônios menos complexos, soluções mais simples, como a elaboração de um testamento ou a celebração de contratos de doação com cláusulas específicas, podem ser mais adequadas e eficazes.
Portanto, a constituição de uma holding deve ser considerada como uma entre muitas opções de planejamento patrimonial, e não como uma regra universal.
2. O Regime de Separação Total de Bens Afasta o Cônjuge do Direito à Herança
Outro mito comum no planejamento patrimonial é a crença de que a adoção do regime de separação total de bens impedirá que o cônjuge sobrevivente tenha direito à herança em caso de falecimento do parceiro. Este equívoco é frequentemente observado em famílias que, ao definirem o regime de bens de seus filhos ou outros herdeiros, acreditam estar protegendo o patrimônio ao sugerir ou exigir a separação total de bens.
Contudo, segundo o Código Civil brasileiro, o regime de separação total de bens garante que, durante o casamento, cada cônjuge mantenha a administração e a titularidade exclusiva de seus bens. Isso significa que, em vida, não há comunicação de bens, e o cônjuge não necessita da outorga conjugal para realizar transações patrimoniais, como a venda de imóveis, por exemplo.
No entanto, em caso de falecimento, o cenário é diferente. O cônjuge sobrevivente tem direito a herdar parte do patrimônio, mesmo sob o regime de separação total, sendo considerado herdeiro necessário. Ele concorrerá com os descendentes ou ascendentes do falecido, conforme a ordem de sucessão prevista no artigo 1.829 do Código Civil. Ou seja, a separação de bens em vida não exclui o cônjuge do direito de herdar.
Cabe destacar que está em tramitação um anteprojeto de reforma do Código Civil, que propõe a exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários. Se essa alteração for aprovada, haverá um impacto significativo no planejamento patrimonial e sucessório das famílias, especialmente na forma como os cônjuges serão tratados na sucessão.
3. Planejamento Patrimonial é Exclusivo para Famílias com Grandes Fortunas
Um dos mitos mais persistentes no planejamento patrimonial e sucessório é a ideia de que somente famílias com grandes fortunas devem se preocupar com esse tipo de organização. Esse equívoco faz com que muitas famílias deixem de implementar estratégias importantes para proteger e gerir seus bens, acreditando que o valor de seu patrimônio não justifica a elaboração de um planejamento estruturado.
Na realidade, o planejamento patrimonial e sucessório não depende do tamanho ou valor do patrimônio. Cada família, independentemente do montante de seus bens, possui 100% de seu patrimônio em jogo, e é esse percentual que deve ser protegido e gerido adequadamente. Assim, mesmo famílias com patrimônios mais modestos podem se beneficiar enormemente de estratégias simples, como a criação de um testamento ou a celebração de contratos com cláusulas que protejam o patrimônio, como a incomunicabilidade de bens.
Além disso, o planejamento patrimonial pode evitar disputas judiciais, reduzir custos tributários e garantir que a vontade do proprietário dos bens seja respeitada. Mesmo em casos de patrimônios mais complexos, onde estratégias mais sofisticadas, como a criação de fundos ou veículos internacionais (offshores, trusts), podem ser consideradas, não há um valor mínimo necessário para implementar um planejamento eficaz.
4. O Planejamento Sucessório Só é Necessário a Partir de uma Idade Avançada
Outro erro comum é acreditar que o planejamento sucessório só deve ser feito quando o patriarca ou matriarca da família atinge uma idade avançada. Essa visão leva muitas famílias a postergarem decisões importantes, o que pode resultar em complicações e disputas futuras.
O ideal é que o planejamento sucessório seja iniciado o mais cedo possível. Planejar com antecedência oferece maior flexibilidade e permite que as medidas adotadas sejam adaptadas ao longo do tempo, conforme as necessidades da família e dos negócios mudem. Por exemplo, muitas famílias começam o planejamento antes mesmo do nascimento de novos herdeiros ou do casamento dos filhos, estabelecendo regras de governança específicas para o patrimônio familiar.
Ao antecipar o planejamento, a família pode prever cenários futuros e regrar o patrimônio de forma a evitar conflitos entre herdeiros, minimizar custos e garantir que o crescimento dos bens ocorra dentro da estrutura planejada.
5. Estruturas Offshore São Ilegais
No Brasil, o termo offshore muitas vezes carrega uma conotação negativa, frequentemente associada a práticas ilícitas, como evasão fiscal e lavagem de dinheiro. No entanto, é importante entender que a criação de uma estrutura offshore, por si só, não é ilegal.
Uma offshore é simplesmente uma empresa constituída em um país diferente daquele de residência de seu proprietário, muitas vezes em jurisdições conhecidas como paraísos fiscais, onde há incentivos tributários, como baixa ou nenhuma tributação sobre determinados tipos de renda. Utilizar offshores como parte de uma estratégia de planejamento patrimonial internacional é legal, desde que todas as obrigações fiscais e regulatórias sejam cumpridas corretamente.
A irregularidade ocorre no uso inadequado dessas estruturas, como a omissão de bens e rendimentos às autoridades fiscais ou a utilização de offshores para esconder recursos de origem ilícita. Recentemente, a Lei nº 14.754/2023 trouxe novas regras para a tributação de aplicações financeiras no exterior, reforçando a importância de seguir a legislação vigente e garantir a transparência nas operações internacionais.
Conclusão
O planejamento patrimonial e sucessório é uma ferramenta poderosa para garantir a proteção e a sucessão ordenada dos bens familiares. No entanto, é essencial que as famílias compreendam os mitos que cercam o tema para que possam tomar decisões informadas e eficientes.
A chave para um planejamento bem-sucedido é a personalização: cada família possui características e necessidades únicas, e o planejamento deve refletir essa singularidade. Contar com o suporte de profissionais especializados é fundamental para guiar a implementação de estratégias adequadas, garantindo que o patrimônio seja preservado e transmitido de forma organizada às futuras gerações.