Quando o assunto é divórcio e partilha de bens financiados, muitas dúvidas podem surgir sobre o que realmente cabe a cada cônjuge. No Brasil, o regime de bens mais comum é o da comunhão parcial de bens, que é o regime aplicado automaticamente quando os cônjuges não escolhem outro tipo de regime matrimonial. Esse regime é regido pelo artigo 1.658 do Código Civil, que estabelece que “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”. Vamos explorar, em detalhes, como funciona a partilha de bens nesse regime e, especialmente, como os bens financiados são tratados durante o divórcio.
Comunhão parcial de bens: o básico
No regime de comunhão parcial de bens, todos os bens adquiridos durante o casamento ou união estável passam a fazer parte do patrimônio comum do casal, mesmo que sejam registrados apenas no nome de um dos cônjuges. Isso inclui imóveis, veículos, investimentos e outros ativos que foram comprados ou financiados durante a relação.
Por outro lado, bens adquiridos antes do casamento ou da união estável continuam a pertencer exclusivamente ao cônjuge que os comprou. Eles não entram na comunhão de bens e, portanto, não serão partilhados no divórcio. Assim, se um dos cônjuges comprou um imóvel antes do casamento, esse imóvel permanecerá como parte de seu patrimônio particular, desde que o regime de bens seja o da comunhão parcial.
Além disso, é importante lembrar que, além dos bens, as dívidas contraídas durante o casamento também se comunicam. Isso significa que o casal compartilha tanto o crescimento patrimonial quanto as responsabilidades financeiras adquiridas durante a união.
Bens financiados: uma situação que exige atenção
Embora o conceito de partilha de bens pareça simples à primeira vista, as complicações surgem quando lidamos com bens financiados. Uma das questões mais comuns envolve a situação de um imóvel ou veículo que foi financiado antes do casamento, mas cujas prestações continuaram sendo pagas ao longo da união. Nesses casos, é possível que haja divergências sobre como esse bem deve ser tratado em caso de divórcio.
Se o financiamento foi iniciado antes do casamento, a parte do bem que já havia sido paga com recursos próprios antes da união não entra na partilha. No entanto, as parcelas pagas durante o casamento são presumidas como resultado do esforço comum do casal, mesmo que apenas um dos cônjuges tenha contribuído diretamente para o pagamento. Isso ocorre porque, no regime de comunhão parcial, há a presunção de que os cônjuges compartilham o esforço de acumular patrimônio, seja diretamente com dinheiro, seja com apoio indireto, como cuidar da casa ou da família.
Decisões recentes do STJ sobre bens financiados
A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem ajudado a esclarecer algumas dessas questões. Em um julgamento ocorrido em dezembro de 2021 (REsp n° 1.841.128/MG), o tribunal decidiu que os bens adquiridos com valores provenientes exclusivamente do patrimônio particular de um dos cônjuges não se comunicam na partilha decorrente do divórcio, mesmo que as parcelas tenham sido pagas durante o casamento.
Esse caso envolvia um imóvel adquirido pela ex-esposa antes do casamento, com uma entrada paga com recursos próprios e o restante financiado em parcelas. O ex-marido pleiteava a partilha do imóvel, alegando que as parcelas pagas durante o casamento deveriam ser consideradas como parte do esforço comum. Contudo, o STJ concluiu que, como a ex-esposa conseguiu comprovar que arcou sozinha com as parcelas do financiamento, o imóvel não poderia ser partilhado.
O princípio do esforço comum: uma questão de comprovação
Apesar da decisão do STJ no caso mencionado, não é sempre que a justiça decide pela não partilha de bens financiados. Em outro caso, julgado em 2022 (REsp n° 2.020.718/CE), o STJ entendeu que as parcelas de um financiamento pago durante o casamento deveriam ser partilhadas entre os cônjuges, já que o ex-marido não conseguiu comprovar que os pagamentos haviam sido feitos exclusivamente com seus próprios recursos.
Essa diferença de interpretações demonstra que o princípio do esforço comum continua a ser o critério principal para determinar a partilha de bens financiados no regime de comunhão parcial. Se um dos cônjuges não consegue comprovar que arcou sozinho com as despesas, presume-se que houve participação mútua no pagamento das parcelas, o que resulta na partilha do bem.
A presunção do esforço comum
A presunção de esforço comum é uma das características mais marcantes do regime de comunhão parcial de bens. Isso significa que, a menos que seja provado o contrário, a justiça presume que ambos os cônjuges contribuíram de alguma forma para a aquisição de bens durante o casamento. Essa presunção pode ser afastada apenas quando um dos cônjuges consegue demonstrar de maneira clara que a aquisição de determinado bem foi feita exclusivamente com recursos próprios.
No entanto, é fundamental destacar que, mesmo quando um bem financiado é adquirido antes do casamento, as parcelas pagas durante a união podem ser objeto de partilha. Isso vale tanto para imóveis quanto para veículos ou qualquer outro bem cujo pagamento foi realizado ao longo do casamento.
Como evitar conflitos sobre a partilha de bens financiados
Uma das melhores formas de evitar conflitos sobre a partilha de bens em caso de divórcio é a celebração de um pacto antenupcial. Esse documento permite que os cônjuges definam previamente como será feita a divisão dos bens em caso de separação, o que pode incluir disposições específicas sobre bens financiados. O pacto antenupcial oferece maior segurança jurídica ao casal e evita surpresas desagradáveis em um momento já delicado como o divórcio.
Além disso, é sempre recomendável que os cônjuges mantenham registros claros de suas finanças durante o casamento. A comprovação de que um bem foi adquirido com recursos exclusivos de um dos cônjuges pode ser determinante em um processo de divórcio.
Conclusão
Em casos de divórcio, a partilha de bens financiados dependerá das circunstâncias específicas de cada caso. Se o bem foi adquirido antes do casamento, mas as parcelas foram pagas durante a união, haverá a presunção de que ambos os cônjuges contribuíram para o pagamento, salvo comprovação em contrário. A jurisprudência do STJ tem ressaltado a importância da prova do esforço individual para afastar a presunção de esforço comum. Contudo, em situações onde não há essa comprovação, a partilha das parcelas pagas durante o casamento será inevitável.